Conto
1
Gabriel
Carolina Guimarães Rezende
Gabriel, 16 anos, acusado de porte de arma.
Conversamos antes da primeira audiência e, depois de ler a acusação, lhe perguntei o que tinha acontecido. Arredio, em poucas palavras ele disse que já há algum tempo estava em situação de rua. Naquele dia, a polícia tentou removê-lo, à força, do local onde habitualmente dormia, destruindo seu colchão e alguns dos seus poucos objetos. Resistiu. Pouco depois, os policiais afirmaram ter encontrado a arma entre seus pertences.
Expliquei que haveria uma próxima audiência, mas que, de todo modo, era extremamente importante que ele dissesse ao juiz o que acabara de me relatar.
Na segunda audiência, foram colhidos os depoimentos dos policiais, em muito desencontrados e inconsistentes.
Feitas as alegações finais de acusação e de defesa, algumas horas depois Gabriel recebeu a sentença: considerado culpado por porte de arma, decidiu-se que permaneceria internado por prazo indeterminado, pelo tempo máximo de três anos.
Enquanto eu lhe dava a notícia, ele, maior que eu, nada disse. Ficou ali, parado diante de mim, enquanto de seus olhos grandes corria uma torrente contínua de lágrimas, muito grossas. Ele, altivo, frágil, desconfiado, violentado e sofrido, chorando em silêncio; eu, frustrada, impotente, cansada, tentando acolhê-lo como podia, e como se o pudesse, enquanto lhe tirava o chão.
Quando terminei, ele me perguntou se tinha recebido a sentença de internação por não ter casa ou família. Eu, que não conseguiria fitá-lo mentindo, não vi outra saída que não lhe dizer que sim, e o mais que pude, naquele momento, foi juntar minhas lágrimas às suas.
Naquela noite, não consegui jantar. Fiquei me perguntando se Gabriel, por sentir a fome de quem passou o dia no fórum sem qualquer alimento, ou a fome de quem já fez da rua sua casa, jantava na Fundação, ou se, como eu, tinha na garganta um imenso nó que só lhe permitia sentir o gosto de sal das lágrimas.
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